O novo casamento e os filhos
Uma nova união, uma nova fase da vida, que traz o prazer e os desafios de unir o fruto de outro relacionamento, os filhos, de forma a fazer dessa uma nova família feliz
Quando duas pessoas que carregam consigo toda a bagagem de outros relacionamentos interrompidos pela morte de um cônjuge ou por uma separação, ou até de um fracassado vínculo semelhante ao conjugal quando solteiras, resolvem se unir, trazem junto os dilemas sobre o que fazer com as diferenças que permeiam esse novo convívio.
Soma-se a isso o desafio de criar filhos dessas uniões anteriores de uma maneira coerente, dentro dos princípios bíblicos, com todas as eventuais divergências que possam existir por conta de valores, tradições e costumes que cada família nutre.
Algumas dessas relações se iniciam após um divórcio, algo que o pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Vitória, Hernandes Dias Lopes, autor do livro “Casamento, Divórcio e Novo Casamento”, faz um alerta, pois conforme a Bíblia, elas só são permitidas em caso de adultério (Mateus 19:9), de abandono do lar por parte do cônjuge (1 Coríntios 7:15) ou de viuvez (Romanos 7:2-3).
Para ele, o desafio não é fácil, pois é preciso pensar nos filhos antes mesmo que a nova união comece, sabendo que a partir de agora serão os seus, os meus, os nossos filhos, juntos.
“O casamento vem com um pacote, e não tem como o novo cônjuge esquecer que precisa aceitar sua realidade, aprendendo a fazer ainda mais concessões. Filhos do marido ou da mulher não são de sangue, mas passam a ser de coração, assim como filhos adotivos, e precisam ser tratados como tal, sem distinção. Essa é a maior dificuldade encontrada pelos casais. Eles têm que lembrar que é uma questão de escolha”, salienta.
Quem parte para um segundo relacionamento tem ainda o desafio de estar preparado para escolher seu cônjuge com mais cautela ainda, pensando que precisa amar não apenas a ele, mas também a esses filhos com os quais estará convivendo diariamente. “Pai e mãe se divorciam como mulher e marido, e se separam de filhos. Então quem vai assumir esse relacionamento precisa aceitar tudo que vem com ele ou desistir dessa união”, salienta.
Autor do livro “Diga Sim com Convicção”, o bispo da Igreja Anglicana Miguel Uchôaexplica que é preciso um ajuste de comportamentos. Sem isso, toda a união será comprometida e provavelmente levará o novo casamento a ser prejudicado. “É preciso entender que a casa vai encher, e pessoas antes alheias aos comportamentos de cada um agora se veem obrigadas a lidar de perto com eles, e isso não é nada fácil. É um processo de mudança que requer atenção, sabedoria de todas as partes e uma dosagem de compreensão e paciência que nem sempre trazemos conosco todo o tempo. As chamadas segundas núpcias que trazem consigo filhos vão requerer especial atenção. Existe um ditado popular que diz: ‘Quem beija meus filhos adoça meus lábios’. Essa é uma outra maneira de dizer que o sangue vai prevalecer na maioria das relações desse tipo. O vínculo de uma maternidade/paternidade é algo muito forte, e na maioria das vezes supera os laços afetivos dos novos cônjuges. As dificuldades começam com os aspectos da nova logística da casa e se misturam com os hábitos de cada um e seus temperamentos. Aqui já seriam motivos para crer que essa atenção redobrada de que falei será mesmo importante”, ponderou.
Diálogo e logística
Foi por isso tudo que passaram Cíntia e Carlos Guimarães, membros da Igreja Cristã Maranata, que subiram ao altar em abril. Eles precisaram de atenção redobrada com os filhos adolescentes, Henrique, 17 anos, fruto do primeiro casamento de Cíntia, Gabriel (14) e Miguel (13), filhos de Carlos, quando decidiram unir as duas famílias.
“Precisamos conversar bastante, principalmente com o Henrique, que passou a vida toda sozinho ao meu lado, pois eu tinha 15 anos de separação do pai dele. Ele sempre foi filho único e agora precisou aprender a dividir as coisas com dois irmãos que já convivem entre si. Mas com muita oração e a orientação correta, tem dado tudo certo, e estamos organizando bem a casa”, salientou.O bispo Miguel Uchôa orienta que a junção das famílias deve ser trabalhada, assim como Cíntia e Carlos fizeram e vêm fazendo, sendo ouvidos em suas opiniões e sabendo quem são seus pais, mas obtendo respeito pelos novos cônjuges (padrasto/madrastra). “A junção de filhos deve ser trabalhada desde a fase de namoro e planejamento dos aspectos do novo lar. Planejamento que os filhos de alguma forma precisam ser incluídos. Suas opiniões serão muito importantes, e o conhecimento de cada um pelos seus pais deverá ajudar, na hora de pensar com quem os quartos serão divididos, se for o caso, o que de maneira geral acontece. Não se pode ajustar essa logística sem antes perceber e planejar de acordo com temperamentos e hábitos. Temos que reconhecer que não é fácil para um adolescente ou um jovem e até mesmo uma criança perceber que de repente seu quarto, ou nessa fase praticamente um ‘reino’, será agora partilhado com esse ‘estranho’ que veio da casa do namorado de papai/mamãe. Conheço situações onde isso foi feito com extremo cuidado e cercado de aconselhamento e, mesmo sendo algo difícil, conseguiu-se uma convivência fraterna. Mas preciso dizer que houve sabedoria dos pais em fazer a junção, houve conversas, planos, apresentou-se como algo bom,uma nova companhia, um parceiro, etc. Mas conheço de perto também situações onde esse cuidado não aconteceu, e a relação pai/filho (a) pesou mais do que o vínculo marido/mulher, e os conflitos foram muitos e perduram quando as atitudes são mantidas”.
Essas situações difíceis enfrentadas pelos pais também são relatadas pelo pastor da Igreja Batista Morada, em Vitória, líder do Ministério de Família, WilmarSmarssaro, que faz com frequência seminários para famílias ressaltando a necessidade de colocar Cristo no núcleo para conseguir resolver os dilemas.
“Os conflitos aparecem porque os filhos têm medo de seus pais os rejeitarem por conta do novo amor que surge pelo cônjuge. Unem-se a isso os pais do primeiro casamento, que temem perder o amor dos seus filhos para o novo marido/esposa. E quando surge um filho do novo casal, a situação pode piorar porque os meios-irmãos acreditam que ele será privilegiado por ter o pai e a mãe por perto. Os pais e padrastos/madrastas terão que reforçar o fato de que existem filhos gerados fisicamente que recebem um amor, mas há também filhos gerados no coração e que ganham um amor do mesmo tamanho. Isso não pode ser expresso apenas por palavras, mas também por atos”, defende.
Filhos do coração
Fabiana dos Santos Ferreira tem 34 anos e é membro da Igreja Apostólica Monte Sião. Seu marido, Telmar Freitas Castro, 33, ficou viúvo aos 26, com uma filha bebê, Ane, hoje com 7. A menina estava com pouco mais de 1 ano quando os dois começaram a namorar.
“Eu gostei dele, mas não queria casar com rapidez, muito menos ter filhos cedo. Em todas as nossas saídas, ele levava a Ane junto, e eu temia demais casar. Ele foi me conquistando, ela também, e acabei aceitando formar essa nova família. Eu sempre explico para ela que é minha filha do coração, e toda a sua história de vida, mostro foto da mãe dela, mas ela ainda tem na cabeça que eu sou sua mãe”, conta.
Com o nascimento há quatro meses de Alice, a irmã começou a demonstrar um certo ciúme. “Acho que ela começou a ficar com receio de minha atenção se voltar mais para a bebê por ter sido gerada em mim, mas voltei a conversar e agora as coisas se acalmaram com a percepção de que o amor não mudou”.
Bispo Miguel Uchôa faz uma ressalva para quem quer entrar em qualquer relacionamento conjugal, mas principalmente em casos que existem filhos da outra união: estar sempre atento a como a pessoa que você quer casar está se relacionando com os filhos, os sogros, as pessoas do círculo familiar.
“Tenho sugerido a pessoas que me procuram e que estão caminhando para a formação de uma família nesses moldes que o tempo de convívio com todas as partes é fundamental. Mas, como sempre lembro, não o tempo simplesmente cronológico, e sim tempo de investimento nesses relacionamentos, e isso incluem a espiritualidade do casal e o desenvolvimento de uma parceria e mesmo a cumplicidade que gere vida e confiança em Deus e em cada passo dado. Sabemos que os relacionamentos cruzados diretos nesse modelo de família se avolumam e que não é nada fácil desenvolvê-los se não houver oportunidade para tal. O que se opõe a isso é o desejo às vezes incontido do novo casal de estar junto. Afinal de contas, são pessoas que já experimentaram a vida de casados, que já viveram a sua sexualidade de maneira plena, que já criaram ou estão criando filhos. Então, o que é que falta senão resolverem essa questão casando o mais breve possível? Já há conclusão, nestes poucos meses, que se amam de verdade e que querem mesmo é viver juntos. São esses e outros argumentos que recebo em minhas entrevistas com esses casais. Minha pergunta sempre é a mesma: e o relacionamento com as outras partes os filhos, os sogros, cunhados, etc, como vai? Normalmente ainda não foi suficiente, e tudo é muito superficial”, destaca.
Por fim, o bispo deixa claro que para uma nova união nesses moldes ser abençoada, é preciso submeter os planos do casal constantemente ao aval do Senhor, aos princípios das Escrituras e ao bom senso.
A matéria acima é uma republicação da Revista Comunhão. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi escrita.
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